O ano de 2023 para o nosso agronegócio foi muito desafiador e o ano que se inicia, anuncia que a situação não irá mudar durante todo 2024. Na realidade desde o início da pandemia, nós vimos um aumento no grau de incertezas ligadas ao agro, seja pela volatilidade dos preços, nas cadeias logísticas, choques na oferta/demanda, desenvolvimento tecnológico, ambiente geopolítico, fatores macroeconômicos e, nos últimos meses, vimos o clima reduzir a produtividade das nossas lavouras.
Nos últimos anos, também acompanhamos o produtor brasileiro colher safras muito rentáveis (20/21 e 21/22) para safra 22/23 nos quais os custos de produção foram tão elevados, que corroeram uma boa parte dessa lucratividade. Isso já considerando os preços de comercialização oferecidos na safra passada. A safra que estamos colhendo atualmente nos faz lembrar a expressão “tempestade perfeita”.
Além do mais, os produtores ainda carregam custos altos de safras anteriores, preços de comercialização muito abaixo das safras passadas e o El Niño foi o evento final para termos uma safra, principalmente no Centro-Oeste, para ser esquecida.
Entretanto, uma pergunta fica: Essa safra poderá ser realmente esquecida?
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Desafios financeiros no cenário atual
Do ponto de vista financeiro, acreditamos que o agronegócio demorará alguns anos para realmente esquecê-la. Desde o final de 2023, nós estamos vendo um elevado número de pedidos de recuperação judicial de produtores brasileiros, em especial, no Centro-Oeste. Segundo a Serasa Experian, no ano de 2023 o número de recuperações judiciais de pessoas físicas (grande parte produtores rurais) cresceu 300% em relação a 2022.
Todavia, ainda não temos números consolidados sobre o início de 2024, mas dado ao elevado número de requerimentos de recuperações judiciais por produtores feitas no primeiro bimestre, devemos ter um número recorde nesse ano.
Porém, um fato preocupante nessas “RJs” é o porte dos produtores rurais que estão solicitando este tipo de proteção jurídica: são produtores médio-grande, nível de governança financeira média-baixa e ainda bastante dependentes do varejo agrícola e de cerealistas para “rodar” o seu negócio. Contudo, o movimento feito pelos produtores só irá agravar ainda mais os desafios já enfrentados pelo varejo no agro. Na safra teremos a distribuição de insumos com uma débil estrutura de capital e liquidez restrita.
Conclusão:
Perspectivas financeiras para o futuro no agronegócio
Sendo assim, prevejo um cenário nos recebimentos de Abril/Maio e Agosto/Setembro bastante comprometidos para o varejo agrícola e sua eventual incapacidade de solucionar os seus desencaixes de caixa somente pedindo “ajuda” a indústria de insumos e mercado financeiro (CRA, Fiagros, bancos, etc). Não tenho dúvida que a “ajuda” será necessária, mas o varejo agrícola vai precisar criar/acelerar iniciativas para melhorar a sua gestão do capital de giro, ciclo de investimentos, gestão de risco, readequação das estruturas operacionais e focar naquilo que realmente conseguirá fazer a diferença para o seu cliente: assistência técnica e logística (compra/venda).
Dito isso, sem dúvida um “rally” em Chicago, um suporte financeiro governamental ou uma queda mais acentuada na SELIC irá ajudar muito a minimizar os impactos financeiros da safra atual para o agronegócio. Nos meus vinte três anos no agronegócio, já vi muitas crises acontecerem dado a uma indústria movida por ciclos econômicos globais. Sempre notei o agronegócio brasileiro sair mais forte de cada ciclo, mas, infelizmente, vi muitas empresas e produtores ficarem pelo caminho. Se saímos mais fortes de cada ciclo, é sinal de que tivemos mais ganhadores que perdedores nesse processo.
Além do mais, na maioria das vezes, a diferença entre os dois está na forma sobre como se gerencia os seus recursos operacionais e alocação de capital financeiro. Ou seja, a perenidade nos negócios passa por uma boa governança financeira. Isso não depende do governo, dos mercados e sim exclusivamente de nós. Por isso, a Cumbre está comprometida em ajudar na formação de profissionais do agro que possam melhorar a gestão das empresas e pessoas no agronegócio brasileiro.
Escrito por: André Uberti
André Uberti é hoje CFO da Agrivalle. Já foi CFO da tranding CHS, também da UPL, do Cropcare -Pátria Investimentos e da Uisa no setor de cana de açúcar. Possui 23 anos de experiência no agronegócio e é professor associado da Cumbre.